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Cristina Oliveira: "Só quando as gerações mudam é que as coisas mudam"

Atualizado: 18 de jan.

Cristina Oliveira trabalha desde 2007 para a NASA e é astrofísica no Instituto de Ciências do Telescópio Espacial, em Baltimore. Foi chefe da equipa responsável por dois dos instrumentos do Telescópio Hubble. Desde 2019, é diretora adjunta do Centro de Operações Científicas do Telescópio Espacial Roman, cujo lançamento está previsto para 2026. Em entrevista a’O Essencial, a astrofísica falou dos mistérios do universo que os telescópios espaciais ajudam a explorar.


Imagem: SIC Notícias

O que é o Telescópio Hubble?

O Telescópio Hubble é uma das maiores missões da NASA, que foi lançada há mais de 30 anos e que estuda muitas coisas no Espaço, para poder escapar à atmosfera terrestre. Os instrumentos têm sido substituídos ao longo do tempo, com astronautas irem lá e a substituírem e arranjarem instrumentos que têm falhado, porem novos painéis solares ou outras coisas que são precisas para o Telescópio funcionar bem, o que tem permitido, ao longo dos anos, à medida que a tecnologia vai evoluindo, que os instrumentos sejam melhores. Melhores e que nos permitam estudar coisas que não conseguíamos estudar antes. Portanto, foi a primeira missão no mundo de astrofísica em que isso foi possível e foi também devido aos esforços da NASA e da Agência Espacial Europeia (ESA) para divulgar os resultados, as imagens, que chegam a casa de todas as pessoas, em todo o mundo. Aquelas imagens maravilhosas e a ciência por detrás das imagens, também. Acho que é uma inovação. É um ponto fulcral de viragem para envolver as pessoas na ciência e fazer com que os resultados estejam disponíveis, que as pessoas saibam o que é que se passa. 


Enquanto a astrofísica também foi responsável e trabalhou no telescópio Hubble. Quais eram as suas maiores responsabilidades e o que é que fez durante esse trabalho?

Já tinha usado dados do Hubble, mas comecei a trabalhar como cientista, a trabalhar com os instrumentos do Hubble em 2007, dois anos antes da última missão de serviço de astronautas em 2009. Eu trabalhei num dos instrumentos  novos que iam ser instalados nessa altura. Há imenso trabalho de equipas bastante grandes para perceber como é que os instrumentos funcionam, porque os dados que são obtidos têm que ser calibrados. A pessoa tem que perceber como é que o instrumento funciona, tem que se calibrar para as coisas fazerem sentido no fim. Comecei a trabalhar como cientista nesse instrumento, e fui envolvida nessa missão a prestar apoio enquanto os astronautas andavam a fazer os space walks. Depois fiquei chefe dessa equipa, que era responsável por esse instrumento e por outro também, no Hubble. Portanto, trabalhei no Hubble bastantes anos, até 2019. O que a pessoa faz é tentar calibrar, tentar apoiar a comunidade científica com os instrumentos, porque há observações que são complicadas de se fazer e que temos de ajudar a programar, a perceber o que é que se passa quando os dados não parecem bem e têm coisas estranhas, e a manter a calibração dos instrumentos sempre no topo. É um esforço contínuo para estar sempre a manter as calibrações atualizadas, porque à medida que o tempo passa, os espelhos vão-se degradando. Imagine que a pessoa reflete uma luz de um espelho e vê essa reflexão com uma certa intensidade, ao fim de um tempo, refletindo a mesma luz, a intensidade vai ser menor, porque as características desse espelho vão variando. Nós temos que calibrar para que, no fundo, se perceba a fonte original que emitiu essa luz, qual era a intensidade original. 


E que tipo de descobertas é que o Hubble já permitiu fazer até agora?

O Hubble tem permitido, por exemplo, observar planetas no nosso sistema solar, conhecermos melhor os planetas, as tempestades, os anéis de Saturno, as tempestades em Júpiter, as manchas que variam com o tempo. Estamos a falar de coisas mais próximas, até a uma das imagens icónicas, algumas das imagens icónicas, do Hubble Ultra Deep Field, que é uma área muito pequenina e muito escura, num cantinho do céu, que foi observado durante muito tempo e que se vê em milhares de galáxias, a várias distâncias. Tem permitido estudar a aceleração, tentar perceber a expansão do universo, e estudar um pouco mais sobre matéria escura. O Hubble tem permitido observarmos planetas de outros sistemas solares também e algumas das descobertas recentes são coisas que os cientistas não pensavam que pudessem ser descobertoas nessa altura, quando o telescópio foi lançado há mais de 30 anos. E tem que ser possível devido aos instrumentos novos que têm sido instalados e também aos cientistas que usam o telescópio, que estão sempre a tentar puxar até ao limite as capacidades do telescópio. 


O James Webb foi lançado para o espaço do Natal de 2021, ou seja, há dois anos atrás, e também já captou algumas imagens do espaço e até de trabalho conjunto com o Hubble. Quais são as vantagens destes dois equipamentos trabalharem em conjunto?

O James Webb observa na zona do infravermelho, que é do espetro eletromagnético, que nós percebemos como calor na nossa pele, enquanto o Hubble observa na zona em que os nossos olhos veem, que é a zona ótica, e também na zona ultravioleta, que são os comprimentos de onda mais baixos. Isso permite estar a observar as estrelas e as galáxias, que emitem luz num espectro variado e observando várias regiões do espectro, consegue-se aprender sobre vários fenómenos físicos, vários processos físicos que acontecem, portanto, eles complementam-se. É a mesma coisa que a pessoa estar a ver, imagine, um filme com imagem e com som, se virmos só a imagem, temos uma certa informação, se virmos só com som, temos outra. Se virmos com som e com imagem, temos a big picture mais completa.


Eles operam em espectros de luz diferentes, mas quais é que são as maiores diferenças entre um e outro? O que é que permitem fazer? 

Há uma diferença fantástica que é o James Webb ter um espelho enorme, construído por vários espelhos mais pequenos, e isso faz com que tenha uma resolução muito grande. Ou seja, permite resolver coisas muito pequenas, permite captar luz de objetos muito, muito, muito distantes. Para conseguimos detetar, quanto mais luz se captar, melhor a pessoa consegue detectar, e então, permite captar luz, muita luz de objetos mais distantes, por causa de ter esse espelho tão grande, e também, porque opera na região do infravermelho, consegue observar objetos mais distantes. Nos objetos que estão mais distantes, a luz desvia-se para o vermelho, o vermelho é parte do infravermelho. [O James Webb] consegue observar objetos mais distantes por causa disso. O Hubble tem um espelho bastante mais pequeno, não tem comparação. O Hubble está na órbita da Terra, funciona na órbita da Terra, portanto, tem alguns constrangimentos na sua operação por causa disso. Há uma região à volta da Terra que se chama South Atlantic Anomaly, é uma região em que, na atmosfera à volta da Terra, há uma zona eletromagnética, e, por exemplo, alguns dos instrumentos do Hubble têm que ser desligados quando se passa nessa zona, o que acontece algumas vezes por dia. O Webb está no Ponto de Lagrange 2, numa órbita em que não é afetado pelo que se passa na Terra. O Webb pode estar continuamente a observar, enquanto o Hubble não. 


E o Roman Space Telescope, que é o novo telescópio da NASA em que está a trabalhar também, vai para o espaço em 2026, que missão é que vai ter? O que é que se espera que permita saber?

Então, o Roman tem dois instrumentos. Um instrumento é um coronógrafo que nos permite olhar para os sistemas solares, bloquear a luz da estrela e detetar os planetas que estão à volta dessa estrela, fazendo a imagem direta desses planetas. Tem um coronógrafo que aqui nos Estados Unidos chamam de uma demonstração de tecnologia. Ou seja, é um instrumento que não vai atrasar a missão, se o instrumento não estiver preparado para o lançamento em outubro de 2026. É um investimento mais pequeno e vai preparar a tecnologia para outros telescópios maiores daqui a vários anos, muito mais caros, e que vai fazer imagem direta de planetas nos sistemas solares com o coronógrafo. Tem um instrumento, que é um instrumento de whitefield, que vai observar uma zona do céu que é cerca de 200 vezes maior do que aquilo que o Hubble consegue observar no infravermelho e tem a mesma resolução que o Hubble, que vai permitir estudar a energia negra. Vai observar a mesma região do céu, numa campanha várias vezes repetida para tentar [encontrar] supernovas. Tentar [encontrar] supernovas permite-nos estudar como é que o universo se está a expandir e tentar perceber um bocado mais da cosmologia.

Permite-nos estudar cosmologia, também. Vai permitir-nos observar galáxias com o Hubble. Para a pessoa observar uma galáxia andrómeda, por exemplo, tem que se fazer uma data de observações porque o campo de visão é bastante pequeno. O Roman consegue observar, observa duas vezes, cobre a galáxia toda. Vai também detetar planetas noutros sistemas solares através de um efeito diferente, não tanto para fazer a imagem direta, mas usando um princípio de microlentes para detetar milhares de planetas noutros sistemas solares em que esses planetas tenham uma massa parecida com a massa da Terra, até massas mais elevadas, para fazerem censos de planetas numa zona de massa e distância da estrela-mãe, que outros instrumentos até agora não conseguiram fazer com essa técnica de microlentes. Portanto, matéria escura e matéria negra, questões de cosmologia, detecção de planetas noutros sistemas solares… E, claro, acho que as maiores coisas vão ser coisas que a pessoa não está a contar, como no Hubble, que a pessoa não está à espera agora. Não sabemos, não fazemos ideia. Vão haver coisas que nós não fazemos ideia que vão ser descobertas. E essa é a parte super interessante.



O telescópio Roman vai para o Espaço em 2026. Imagem cedida por Cristina Oliveira

Que descobertas é que [os telescópios] fizeram até agora que a surpreenderam mais? 

Não sei se é tanto de surpresa como de inspiração… Acho que talvez, para mim, uma das coisas que, quando estava a fazer o doutoramento, achei fantásticas, e nessa altura não trabalhava com o Hubble, foi aquela imagem do Hubble Deep Field, que foi uma das primeiras imagens em que o Hubble olhou para uma região do céu escura, pequenina, e estando a olhar ali durante bastante tempo, consegue ver uma enormidade de galáxias de formas diferentes, a distâncias muito, muito, muito grandes, numa zona tão pequenina. Portanto, a diversidade de coisas numa zona escura, que é uma fração do tamanho da Lua que não se vê, e a variedade de coisas que existem no universo e que nós não conseguimos ver. Acho que, para mim, isso foi, talvez, a imagem mais marcante. 


O telescópio Roman tem precisamente o nome de uma mulher, Nancy Grace Roman, que foi uma das primeiras astrónomas da NASA. Enquanto mulher, alguma vez se sentiu discriminada a trabalhar  num campo da ciência e na NASA?

Sim, eu acho que a palavra é um bocado forte, mas a pessoa sente, e normalmente as coisas que acontecem não são coisas, assim, grandes. Normalmente o que acontece são coisas pequeninas. É o que se diz Death by a Thousand Cats que as mulheres sofrem. Não é um sujeito que chega ali, olha para ti, olha para o outro, e pega no outro e diz “não, tu és homem, vai para aqui”. Não, são coisas mais subtis. E no meu Instituto há muitas mulheres, e eu, por acaso, tenho trabalhado com muitas mulheres, tenho tido mulheres que são as minhas chefes. Eu lembro-me, quando trabalhava no Hubble, era a chefe da equipa, tinha o meu deputy, que era um homem, e eu ia fazer um relatório, com uma certa frequência, ao diretor do Hubble, lá no instituto, e eu é que estava a relatar o que tinha passado, e essa pessoa, quando tinha questões, não me perguntava a mim, virava-se para o meu deputy para lhe perguntar coisas que eu estava a falar. Ou seja, se a pessoa está a falar, tem que se lhe perguntar a essa pessoa, e depois, se a pessoa quiser, pedir a outra para responder e ajudar. Isso, sim, aconteceu. Acontece várias vezes, acontece no dia a dia, também. A pessoa tem que estar atenta. Tenho um exemplo em que fui jantar com uns amigos da faculdade, homens e mulheres, e uma amiga minha pediu o que nós íamos beber, ela que escolheu, ela que pediu. E quando trouxeram a garrafa, normalmente para a pessoa provar, não lhe deram a ela, deram ao marido, que estava sentada em frente. São aquelas coisinhas pequenininhas que fazem com que a pessoa mentalmente sinta que as coisas não são iguais. Eu tive vários desses episódios da pessoa dizer uma coisa numa reunião e as pessoas não ligam, até que o homem, o outro sujeito, diz a mesma coisa. E o que a pessoa tem de fazer nessa altura? “Ainda bem que acha isso, porque eu já tinha acabado de dizer isso”. Isto continua a existir bastante e nós temos que estar atentos e tentar corrigir à medida que vemos e que podemos. 


E nesse sentido, acredita que é necessário haver um maior investimento e também motivação para atrair mais mulheres para trabalharem no campo da ciência? 

Em termos de mulheres em ciência, eu sei que quando estava na faculdade em Engenharia Física, havia muito poucas mulheres, mas era naquela disciplina. Por exemplo, em Engenharia Química havia muitas mulheres. Nos Estados Unidos as raparigas têm muito boas notas, são muito interessadas naquelas disciplinas STEM, de Ciências, Tecnologia, Matemática e tudo mais. E depois, à medida que o tempo passa, a pessoa vê que começam a abandonar. Acho que tem que continuar a haver investimento, acho que tem que continuar a haver educação das pessoas, um esforço concertado para que haja tratamento igual, talvez não igual, mas equitativo. Para que as mulheres sintam que são coisas para elas e que não sintam ah, não, isto é muito difícil, não é para mim” ou “não, porque não é possível conjugar uma carreira com uma família”. Para que seja uma escolha delas e não uma escolha moldada pela forma como a sociedade, neste momento, no tempo e no espaço onde estamos, funciona. Mudar as mentalidades, mudar as pessoas, demoram gerações. Não é uma coisa que aconteça num ano ou em dois anos. Só quando as gerações mudam é que as coisas mudam. 


E como é que é trabalhar enquanto astrofísica na NASA? É um sonho e um desafio ao mesmo tempo? 

Eu trabalho num instituto que é contratado pela NASA, um instituto que é o Special School of Science Institute em Baltimore, é o Centro de Operações Científicas do Hubble, o Centro de Operações Científicas e da Missão, portanto, tem a sala de controlo para web, e vai ser o Centro de Operações Científicas do Roman. E é fantástico. Acho que a melhor altura até agora da minha carreira, em que estive mais interessada e de que me lembro todos os dias, era quando chegava ao trabalho, entrava no edifício e pensava “adoro trabalhar aqui, tenho tanta sorte”. Foi quando estava envolvida na missão de serviço ao Hubble e no tempo a seguir, que é a altura melhor. Os instrumentos acabaram de ser instalados, há problemas, há coisas a resolver. Todos os dias há uma reunião às 9 da manhã, que é o ponto de situação do que aconteceu durante a noite, aquilo é staff 24/7, para tentar perceber o que é que está a passar, ajudar a resolver problemas. Claro que o que eu estou a fazer agora, também gosto muito, só que o fruto é mais a longo prazo. Naquela altura, estava envolvida nas coisas que estavam a acontecer no dia a dia… “Houve um problema com o instrumento, temos que descobrir o que é que se passou”, porque, no princípio, há sempre problemas, mas faz parte do trabalho. Os problemas fazem parte, a pessoa aprende com os problemas. Essa parte é super empolgante, aquela energia toda das pessoas completamente vidradas no que é que está a passar. Vai acontecer com o Roman em 2027 [risos]. Demora cerca de 20 anos até as missões deste tamanho serem lançadas, ou mais. O Webb demorou, como sabemos, muito, muito tempo. São projetos de longa duração, que não podem ser feitos com pouco tempo, porque, em muitos casos, a tecnologia ainda tem que ser desenvolvida, como foi o caso do Webb, por isso é que demorou tanto tempo. Era tecnologia nova que estava a ser usada e são grandes investimentos, são grandes investimentos do Congresso. E uma coisa que é interessante, que eu acho que nos Estados Unidos é um bocadinho diferente de Portugal, é que as pessoas, o público sabe que paga impostos, e os impostos são usados para X, Y e Z. Há uma ligação forte com o que se paga. E as pessoas que estão na política têm essa motivação, porque sabem que se não fizerem um bom trabalho... porque o Congresso é que define o budget, não é como aqui em Portugal. Se as pessoas não estiverem contentes com o que os seus representantes fazem, em termos de budget, não os voltam a eleger. E então as pessoas sentem uma grande ligação. “Isto é o meu dinheiro que está a ser usado. Portanto, eu tenho que ver o resultado do meu dinheiro, tenho que gostar das coisas”. Aqui em Portugal as pessoas não sentem isso. O dinheiro desaparece e depois, a partir daí, alguém faz o que quer e nós não temos voto na matéria. Lá há uma ligação bastante mais forte. 


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