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Foto do escritorJoão Cotrim de Figueiredo

Opinião: És liberal e não sabias

Atualizado: 16 de jan. de 2024

Convidar um liberal a escrever, seja sobre o que for, é correr o risco de esse liberal acabar a escrever sobre liberalismo. Não necessariamente para convencer alguém, mas porque achamos que o liberalismo é mais do que uma ideologia: é uma tradição de pensamento que pervade os interstícios das nossas reflexões e determina, a priori, as nossas disposições.

Acreditar que o indivíduo só se realiza quando é livre para se autodeterminar, por exemplo, tem várias implicações. A primeira é a de que só nas sociedades em que a soberania política reside no indivíduo é que existem condições para a realização – sinónimo de felicidade, se preferirem – de todos e de cada um. A segunda implicação é ainda mais importante: a autodeterminação, entendida como a busca do próprio caminho para a tal felicidade (“pursuit of happiness”), pressupõe a existência de liberdade individual. Eis o credo liberal condensado num parágrafo.

Mesmo acreditando na máxima de que “não há mais prático do que uma boa teoria”, penso que já baste da dita teoria. Aos jovens que lêem estas linhas, interessará mais perceber quais as consequências destas convicções para a ação política concreta. Vamos então a isso e deixem-me ser o mais frontal que é possível.

Um liberal opõe-se às perspetivas coletivistas dos problemas, porque isso ofende a sua crença no primado do indivíduo. Opõe-se, por isso, sistematicamente às políticas estatizantes, às políticas identitárias e às discriminações grupais.

Um liberal tem, por motivos idênticos, uma desconfiança natural da concentração de poderes, desde logo no Estado, mas também na sociedade, na política e na economia. Poder a mais e concorrência a menos são fatores de erosão da liberdade individual.

Um liberal acredita na utilidade de uma rede social de segurança. Ainda mais claro, acreditamos na existência do estado social para que cada um, mesmo o mais vulnerável, possa ter a possibilidade de fazer uso da sua liberdade.

Um liberal acredita que cada um é responsável pelo uso que faz da sua liberdade e tem, por isso, o direito ao fruto do seu trabalho ou da sua imaginação e o dever de responder pelas consequências das suas escolhas.

Um liberal tem uma aversão instintiva aos verbos proibir e obrigar. Acreditamos que os comportamentos são respostas aos estímulos e é sobre os estímulos que devemos atuar na busca do bem comum. Nem sempre é possível, mas é sempre desejável.

Por fim, uma distinção importante. Não se deve confundir o primado do indivíduo com individualismo. Recordo que Adam Smith escreveu a sua “Teoria dos Sentimentos Morais”, em que elaborou sobre a inescapável natureza social do indivíduo, 17 anos antes de publicar “A Riqueza das Nações” em que postulou a existência da mão invisível, uma metáfora sobre os efeitos positivos da defesa do interesse próprio de cada um.

A Iniciativa Liberal aparece na cena política portuguesa há seis anos porque (já) não havia quem defendesse estes princípios de forma consistente e em todos os domínios da vida humana: o político, o económico e o social. Os partidos mais antigos onde existiam correntes liberais deixaram diluir as suas referências ideológicas em nome de pragmatismos ou eleitoralismos de circunstância e, com isso, perderam o seu ímpeto reformista.

Neste momento da vida política em Portugal, é fundamental construir consensos entre partidos que se inspirem nos valores liberais e que possam dar não só um novo governo, mas também um novo rumo para Portugal. Para isso, é importante reconhecer a atração que os portugueses sentem por quem lhes proponha as reformas que materializem uma visão inspiradora de um país onde possam ser mais livres e mais felizes. E, por isso, há tantos que concordam quando, em jeito de provocação retórica, lhes dizemos “és liberal e não sabias”

1. Aos que reconhecem nesta formulação a redação feliz da constituição americana de 1776, faço notar que ela emana do pensador liberal John Locke em 1689 (quase 100 anos antes): “A sociedade política [i.e. o governo] existe apenas para a proteção da vida, da liberdade e da propriedade das pessoas”. Thomas Jefferson era um leitor e admirador confesso de Locke.

2. Esta máxima é tão boa que a sua autoria é atribuída a autores tão diferentes quanto Leonid Brezhnev ou Woody Allen. No entanto, dou mais crédito à possibilidade de o seu autor ter sido Kurt Lewin, um psicólogo social marxista da primeira metade do séc. XX associado à Escola de Frankfurt onde se desenvolveu a nefasta Teoria Crítica. Aos mais sensíveis, apresento as minhas desculpas pela citação.


Artigo de opinião por João Cotrim de Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal


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