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  • Foto do escritorBruna Pinheiro

Crónica: Apropriação identitária: lado da razão e lado da castração cultural

Atualizado: 16 de jan.

Kimono só para as japonesas, kilt só para os escoceses, saris só para indianas, capulanas só para africanas, rastas só para caribenhos, pastéis de nata só para portugueses e hotel, só Trivago.

Na sua essência, o conceito de apropriação cultural aborda a adoção de elementos culturais, como símbolos, roupas, estilos de cabelo, práticas religiosas, e outras mil coisas, provenientes de uma minoria étnica ou cultural, por parte da cultura dominante.

Acontece que, muitas vezes, este cenário é percebido como desrespeitoso em relação à cultura de origem, gerando uma discussão sobre a alegada apropriação cultural desses elementos. Ora, devido à crescente politização da cultura, este tema torna-se delicado e requer uma avaliação cuidadosa.

Acontece que, todo o discurso relativo à apropriação cultural traz consigo dois problemas. Primeiro, o de que existem culturas autênticas. Mas a minha pergunta é: alguém consegue acreditar que a cultura em que se insere nunca foi influenciada por outras?

O segundo problema centra- -se na mensagem de que o uso de elementos das minorias, por parte do grupo dominante, significa, automaticamente, a sua opressão. Sinceramente, não consigo perceber esta lógica. É claro que há toda uma realidade histórica que não deve ser ignorada, mas acham mesmo que por eu usar tranças, estou a apropriar-me e a reprimir alguma comunidade de onde elas, supostamente, são originárias? É que, na verdade, só queria um penteado diferente.

Vamos começar pelo início. Olhando para o passado que nos guia, vemos que o processo de interação entre culturas, raramente harmonioso, constitui um elemento intrínseco à história da humanidade. Vejamos como exemplo a religião. Todo o imaginário católico, desde os santos às romarias existe, muito devido à religião civil romana. Se num campo que existe há tanto tempo, houve influências passadas, é óbvio que em outras áreas isto também vai acontecer. Peço desculpa se for chocante, mas vivemos em comunidade desde sempre e, por isso mesmo, não há culturas autênticas em estado puro. Assim, é fácil de perceber que a busca por uma pureza (imaginária) revela-se muito mais como uma forma de afirmação da memória coletiva e não passa, em grande parte dos casos, de uma construção social.

Se já se percebeu que não existem culturas puras, vale a pena perceber que o uso de algum elemento das mesmas não significa a sua opressão. Porque sim, é mesmo verdade, nem tudo no mundo tem de ser sinónimo de ofensas.

A luta constante pela libertação dos oprimidos tem de acontecer, sou a primeira a defendê-lo. Todos merecem viver em liberdade, religiosa, cultural, sexual, etc. E é de se salientar que nem tudo é preto no branco. A apropriação cultural, por vezes, é sim usada como um fenómeno de violência simbólica. Exemplo disso seria um movimento supremacista branco cuja simbologia fosse o penteado de rastas. Neste caso, como em muitos outros, o uso seria irônico e desrespeitaria toda a causa.

O que não pode acontecer e que, infelizmente me parece o cenário atual, é as pessoas que tanto criticam a suposta apropriação cultural sejam as primeiras a oprimir quem, por mero gosto, usa algum elemento de outra cultura que não a sua. Até porque quando o cenário se inverte, e são as minorias a usar elementos das maiorias, ninguém lhe chama apropriação cultural. Porque, na verdade, não o é. Admirem-se, isto é só o mundo a ser mundo.


Crónica por Bruna Pinheiro

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