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Foto do escritorInês Silva

Opinião: Triste Natal em Belém

Atualizado: 18 de jan. de 2024

Com o Natal quase à porta, foi com surpresa que Portugal recebeu um presente antecipado. E bem antecipado, já que o típico português costuma deixar tudo para a última da hora. A 7 de novembro de 2023, o primeiro-ministro desceu pela chaminé do Palácio de Belém com uma carta que dirigiu a todos os portugueses. Costa entregou um presente coletivo, bem embrulhado: a demissão.

Para muitos, um desejo. Para outros, um presente envenenado. Ainda assim, julgo que nem mesmo os mais desacreditados no sistema democrático viveram um dia de glória, depois de perceberem o impacto que isto ia ter. Afinal, a descrença não representa uma alternativa, mas antes um caminho perigoso sem luz ao fundo do túnel.

O primeiro-ministro, a par com outros membros do seu governo, foi acusado pelo Ministério Público (MP) de crimes de corrupção e a demissão foi uma decisão “óbvia”. Dois dias depois, o Presidente da República não fez esperar os portugueses e anunciou a dissolução da Assembleia da República, com eleições antecipadas para 10 de março.

É importante recordar que o primeiro-ministro não teve culpa nenhuma da situação que o governo atravessou desde que conquistou a maioria absoluta, nem de nenhum dos casos em que os membros do seu governo se viram envolvidos, claro. Nem foi ele que escolheu os membros do governo, como é que podia sequer saber o que andavam eles a fazer?!

A verdade é que as promessas ficaram por cumprir, e a maioria absoluta não foi a tempo de dar a tão prometida “estabilidade” ao país. Uma maioria absoluta que se revelou desastrosa e que não soube carregar o peso da responsabilidade de governar Portugal.

O governo caiu agora, mas já estava podre há muito tempo. E António Costa pouco ou nada fez para solucionar um problema que se tornou crónico e que estava à vista de todos. Não existe justificação possível para 13 demissões num espaço de nove meses, nem para a má conduta dos seus aliados, à exceção de incompetência e falta de seriedade para com o compromisso que o governo honrou assumir. A maioria absoluta cegou o PS de poder e a falta de rumo fez com o partido se fraturasse e destruísse a si próprio. A instabilidade interna do PS tornou-se a instabilidade do país.

O trabalho da oposição, à Esquerda ou à Direita, foi e continua a ser facilitado. A extrema-direita aproveita para ganhar terreno, num caminho pautado pela demagogia e populismo. O destino não parece risonho e a incerteza multiplica-se de dia para dia.

O Presidente da República já tinha sugerido eleições antecipadas, se o primeiro-ministro saísse do cargo, e agora cumpriu o aviso. Não acredito que fosse a melhor opção, uma vez que a alternativa governativa não existe. O novo líder do PSD, Luís Montenegro, ainda está a apalpar terreno e não reúne consenso, nem parece ser a voz firme que a oposição, especialmente num momento como este, deveria ter. No entanto, a teimosia e arrogância do primeiro-ministro demissionário impediram-no de governar com um executivo capaz de levar o país a bom porto.

Apesar de tudo, quero acreditar que o MP não confundiu diligências de governantes com casos de alegada corrupção e tráfico de influências, que derrubaram um governo eleito pela maioria dos portugueses. A hipótese de o primeiro-ministro não fazer ideia do que o seu círculo próximo andava a congeminar, embora muito má, parece preferível a ver a Justiça falhar assim.

As previsões feitas pelas sondagens antecipam um medo que acredito que se possa tornar real. A extrema-direita pode sair favorecida, à conta da revolta e descontentamento populares, que crescem cada vez mais. É imperativo que Portugal acorde antes que seja tarde demais. É necessário que, com isenção, se escolham pessoas devidamente preparadas para o cargo e competentes para o executar. É urgente que exista mais escrutínio e rigor direcionados na escolha dos governantes da Nação.

Num ano em que se celebram os 50 anos do 25 de abril, não existirá melhor maneira de celebrar a democracia do que exercer o direito de voto. Com consciência, ponderação e visão futura. Talvez seja uma forma inesperada de celebrar Abril. Quando forem votar, os eleitores terão muitas opções políticas por onde escolher, mas a finalidade será apenas uma: escolher uma alternativa que seja capaz de garantir estabilidade. Acho que vai ser difícil, mas a situação pela qual passamos assim nos convoca.

As maiorias absolutas, como podemos comprovar pelo passado, não são um mar de rosas. Podem ser um objetivo muito desejado e uma oportunidade, mas também trazem dissabores e podem conduzir ao abismo. Neste momento, os riscos, as fragmentações e as incertezas são muitos. A prenda antecipada dos portugueses veio bem embrulhada e recheada de surpresas, resta aguardar o que nos espera. Terá Portugal uma Páscoa mais doce do que o Natal?


Artigo de opinião por Inês Silva

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