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Foto do escritorBruna Pinheiro

Uigures na China: Europa continua a servir-se do trabalho forçado de minorias étnicas

Atualizado: 18 de jan. de 2024

Uma equipa do The Outlaw Ocean Project denunciou trabalho forçado na China. Vestuário e alimentos fruto do trabalho forçado da minoria muçulmana uigur continuam a entrar na União Europeia (UE) sem restrições.


Imagem: Expresso

Introdução aos Uigures na China

Na República Popular da China vivem 56 grupos étnicos, dos quais 55 são considerados minorias étnicas. Os uigures pertencem a uma das 55 minorias, formando 9% da população. Os Han constituem a única maioria, correspondendo a 91% da população.

Os uigures são um povo muçulmano cuja língua tem raízes turcas e utilizam o alfabeto árabe. Identificam-se, cultural e étnicamente, mais com países da Ásia Central e residem, predominantemente, em Xinjiang, uma província do Noroeste da China, oficialmente designada de Região Autônoma Uigur.

Cerca de 10 milhões de uigures vivem na região, enquanto muitas centenas de milhares vivem em países vizinhos.  Apesar de ainda maioritários em Xinjiang a política de “hanização” da região, levada a cabo pelo Governo central, faz com que as pessoas da etnia sejam maioritários em Urumqi, a capital de Xinjiang. Esta é uma das regiões mais remotas e menos povoadas do país, apesar disso, é rica em recursos naturais, e a sua economia gira em torno da agricultura e do comércio.


Origem do conflito

O conflito de Xinjiang é um conflito separatista, no extremo oeste da República Popular da China.

As duas principais fontes do separatismo são a religião e a etnia. Do ponto de vista da religião os uigures são na sua maioria muçulmanos, enquanto a maioria da população chinesa segue outras religiões. A outra fonte de atrito relaciona-se com a etnia, uma vez que esta é mais próxima dos povos da Ásia Central do que dos chineses do leste da China.

Inicialmente, o território de Xinxiang ficou sob o domínio chinês depois de ter sido controlado numa campanha militar no século 18. No entanto, décadas mais tarde, em 1933 foi declarada unilateralmente a independência da, na altura denominada República do Turquestão Oriental, mas a vitória das forças comunistas na guerra civil, em 1949, resultou na entrada do Exército Popular na região e a China recuperou o controlo da mesma. Muitos uigures partiram para o exílio, e outros viram a sua liberdade religiosa e os seus costumes restringidos até aos dias de hoje.

Grupos separatistas uigures afirmam que a região não é legalmente uma parte da China, visto que esta foi invadida por ela, resultando na sua ocupação. O movimento separatista é liderado por grupos extremistas turcos, que se opõem ao desejo do Partido Comunista de restabelecer o território que a China tinha durante o tempo do Império Chinês.


Imagem: BBC

Momentos de tensão

Foi em outubro de 2007 que este conflito captou a atenção mundial, quando um campo de treino “terrorista” foi descoberto na região de Xinjiang.

De tempos a tempos, as autoridades de Pequim relatam tentativas de ataques de extremistas uigures, como aconteceu nas vésperas dos Jogos Olímpicos de 2008, e no atentado de 2010, que levou ao julgamento de quase 400 pessoas.

Ainda que nunca tenha acontecido um grande atentado, foi lançada uma grande operação contra o Movimento Islâmico do Turquistão Oriental (ETIM). O regime conseguiu incluir os Uigures na lista de grupos terroristas das Nações Unidas e dos Estados Unidos e, mais tarde, após o 11 de setembro, acusou-os, mesmo não havendo provas, de estarem ligados à Al-Qaeda.


Interesses envolvidos

A região em questão, para além de estar estrategicamente bem localizada, é a maior reserva de gás, carvão e petróleo do país, aspeto este que origina à China bastante riqueza. A província abriga ainda parte dos corredores logísticos que integram a Nova Rota da Seda, sendo, portanto, fundamental para sua constituição e para a articulação chinesa com demais nações.

Segundo as organizações de defesa dos direitos humanos, 84% do algodão produzido na China, o maior produtor desta matéria-prima a nível mundial, é proveniente de Xinjiang, tendo 20% do algodão mundial origem nesta província, fornecendo depois fábricas de roupa em todo o mundo.




De acordo com um relatório elaborado por investigadores do Laboratório para o Estudo do Trabalho Forçado da Universidade de Sheffield Hallam, no Reino Unido, com a colaboração de organizações não-governamentais que defendem os direitos dos uigures, foram identificados pelo menos quatro fabricantes de têxteis chineses que utilizam trabalho forçado. Todos eles vendem os seus produtos a grandes marcas como a Zara, a Next e a Prada.

Pelo menos uma em cada cinco peças de roupa vendidas em todo o mundo terão como base o algodão produzido no noroeste da China, com pelo menos um milhão de uigures em campos de detenção, alegam as Nações Unidas.

Ainda segundo a denúncia desta organização, o governo chinês estará a subsidiar estas marcas multinacionais à expansão de fábricas em toda a China, fornecendo uigures detidos nos campos de detenção, no que se equipara a trabalho escravo e tráfico de seres humanos.




“As marcas globais precisam de se questionar a si próprias sobre o quão confortáveis estão ao contribuir para uma política genocida contra o povo uigur”

- Omer Kanat, diretor executivo do Projecto de Direitos Humanos Uigur


Uigures explorados pela pesca 

Em 2021, o Congresso dos EUA aprovou a Lei de Prevenção ao Trabalho Forçado de Uigures, que declarou que todas as mercadorias produzidas “completa ou parcialmente” por trabalhadores de Xinjiang ou por minorias étnicas da província e que envolvessem práticas de trabalho forçado impostas pelo Estado, seriam banidas de entrar no mercado norte-americano. Apesar da lei parecer funcionar, já que a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos confiscou mais de mil milhões de dólares em mercadorias ligadas a Xinjiang de várias indústrias diferentes, há uma que escapa: a indústria da pesca.

A equipa do The Outlaw Ocean Project realizou uma investigação de 4 anos no terreno para dar palco ao trabalho forçado dos uigures. Segundo os investigadores, aproximadamente 80 % dos produtos do mar consumidos pelos Estados Unidos são importados, maioritariamente da China, sendo que mais da metade dos panados de peixe (douradinhos) servidos nas escolas públicas americanas são transformados na China.

Segundo a investigação, a Cité Marine, distribuidora francesa da Nissui, fornece peixe branco a grandes supermercados, incluindo o Carrefour, o Aldi e o Lidl. Também a Nomad Foods, empresa de congelados que vende produtos sob a marca Iglo, entre outras conhecidas, é abastecida por importadores que compram peixe a fábricas chinesas que utilizam trabalho forçado uigur. O distribuidor francês da Nissui, a Cité Marine, importou mais de 200 remessas de peixe congelado, de acordo com dados comerciais, desde que se sabe que a fábrica chinesa começou a utilizar trabalho forçado uigur em 2018 e que ainda em Abril de 2023 o continuava a fazer.

A Cité Marine é atualmente fornecedora  da Sysco France, um dos principais fornecedores das autoridades regionais francesas. Segundo a base de dados dos contratos públicos da União Europeia entre 2018 e 2023, a Sysco France ganhou pelo menos 62 contratos, no valor de quase 30 milhões de euros, em escolas, hospitais e autoridades locais francesas para fornecer pescado congelado. Pescado proveniente de trabalho escravo, segundo a investigação.

Nos últimos cinco anos, também o Governo dos EUA gastou mais de 200 milhões de dólares em pescado de importadoras ligadas à mão-de-obra uigur para o consumo de escolas, prisões e bases militares.

Após a investigação da equipa do The Outlaw Ocean Project várias empresas reagiram. Todas condenam qualquer violação dos direitos humanos e asseguram ainda que as alegações serão investigadas.


Recrutamento forçado, contorno da opressão e auditorias prévias

O programa de transferência de mão-de-obra começa de uma forma simples. Responsáveis do partido local batem à porta das casas, promovendo uma reflexão sobre o dever de trabalharem, numa tentativa de estimular os uigures a aderir voluntariamente a programas governamentais, alguns deles envolvendo migrações.

Oficialmente, o governo diz que os uigures aderem aos programas por se sentirem gratos pela oportunidade de trabalhos, mas o Comando de Manutenção da Estabilidade da Câmara Municipal de Kashgar garante que as pessoas que resistem às transferências de mão-de-obra podem ser detidas.

Segundo o jornal Público, a investigação do "The Outlaw Ocean Project China: trabalho forçado de uigures ligado a consumidores de pescado de todo o mundo" conta que uma mulher de Kashgar foi presa por se recusar a fazer uma tarefa na fábrica porque precisava de cuidar de dois filhos pequenos.

A partir do momento em que os uigures são enviados para as fábricas, passam a ser estritamente controlados e uma das únicas formas de aceder às suas vidas é através de conteúdos publicados por si nas redes sociais.

Alguns uigures publicam músicas próprias com letras sentimentais. Para os investigadores, embora possam tratar-se simplesmente de trechos de música, também há a possibilidade de funcionarem como transmissores de mensagens codificadas de sofrimento, numa tentativa de contornar a censura chinesa.

Para detetar trabalho forçado, as companhias costumam contratar empresas que fazem “auditorias sociais”, nas quais inspetores visitam determinadas fábricas, de difícil acesso, para garantir que estas agem em conformidade com a lei. No entanto, em grande parte dos casos, segundo a investigação, as empresas são informadas previamente das datas das auditorias, permitindo que durante as inspeções os trabalhadores pertencentes às minorias étnicas de Xinjiang sejam escondidos.

As auditorias conseguem ser, assim, manipuladas e, por isso, os auditores raramente conseguem entrevistar os próprios trabalhadores. Quando conseguem, o medo de represálias fala mais alto, fazendo com os trabalhadores hesitem em responder com sinceridade.

O The Outlaw Ocean Project descobriu que até algumas empresas que foram certificadas como “sustentáveis” estão envolvidas no caso.






Reação exterior ao conflito

Em junho de 2019, um grupo de 22 países, incluindo Canadá, França, Alemanha, Reino Unido e Austrália, manifestou-se pela primeira vez contra os campos de detenção. Em resposta, Pequim divulgou uma carta de defesa, assinada pelos embaixadores de 37 nações, incluindo a Rússia, Arábia Saudita, Nigéria e Coreia do Norte.

Em fevereiro de 2020, a Organização das Nações Unidas solicitou acesso à região, a fim de averiguar as acusações, no entanto, como era de esperar, não obteve nenhuma resposta.

Para além disto, o Canadá, a UE, o Reino Unido e os Estados Unidos impuseram sanções a algumas importantes autoridades chinesas. Esta pena impede os lesados de entrar no território e negociar com empresas ou cidadãos norte-americanos.

Em outubro do mesmo ano, um grupo de 39 países liderado pela Alemanha voltou a protestar contra esta situação desumana na ONU.

O Departamento de Estado americano estimou que até 2 milhões de uigures e pessoas de outras minorias muçulmanas foram detidas em centros de reeducação. Um relatório independente feito por mais de 50 especialistas em direitos humanos, crimes de guerra e direito internacional atestou que o governo chinês violou disposições da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio das Nações Unidas em Xinjiang.

Em agosto de 2022, um novo relatório, publicado pelo Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, apontou “graves violações” dos direitos humanos” cometidos contra a minoria  uigur e “outras comunidades predominantemente muçulmanas” na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, na China.




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