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Foto do escritorÓscar Afonso

Opinião: Orçamento de Estado 2024: 'Rebuçados empobrecedores'

Atualizado: 16 de jan. de 2024

O Orçamento de Estado (OE) para 2024 procura, sobretudo, agradar ao maior número possível de eleitores, oferecendo-lhes os "rebuçados" disponíveis. Esses "rebuçados" são direcionados, principalmente, para os pensionistas, alguns funcionários públicos e contribuintes de IRS, beneficiados por um corte de imposto maior do que o inicialmente proposto no Programa de Estabilidade de abril. No entanto, essa generosidade aparente pode ser interpretada como uma estratégia de concentração, em 2024 – ano eleitoral –, do corte planeado até 2027.

Como as empresas não votam, voltam a ser o parente pobre no OE, apesar de serem determinantes na criação de riqueza. No OE para 2024 beneficiam de medidas de pequena expressão vindas do acordo de rendimentos negociado em concertação social (desta vez sem o apoio da Confederação Empresarial de Portugal, CIP) – em que foi subido de 4,8% para 5,0% o referencial de aumento do salário médio –, que nada alteram a baixa competitividade da economia.

Ao mesmo tempo que dá com uma mão, o Governo tira com a outra, distribuindo por vários impostos indiretos a fatura das outras medidas, numa lógica de ‘anestesia fiscal’, para que cada contribuinte sinta menos – o agravamento do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) será o mais sentido por pessoas e empresas. É, por isso, que a receita fiscal sobe de 24,9% para 25,1% do Produto Interno Bruto (PIB), mantendo-se as contribuições sociais efetivas (10,4% do PIB), o que aponta para uma subida da carga fiscal em 2024.

O cenário fiscal revela a ausência de uma estratégia efetiva para resolver o problema de falta de competitividade fiscal da economia portuguesa.

Num contexto de menor crescimento económico (1,5% ou até menos), é possível alcançar um excedente orçamental de 0,2% do PIB. No entanto, esse valor é inferior aos 0,8% previstos para 2023, o que reflete a decisão de não devolver o acréscimo de receitas obtidas com a alta inflação. O excedente orçamental tem servido para a emergência do slogan das 'contas certas', que tem sido apresentado como uma estratégia para apagar os erros do passado, especialmente do Governo de Sócrates, que quase levou o Estado à pré-bancarrota.

Esclareço que ‘contas certas’ são, por exemplo, 1+1=2, seja em matemática ou em finanças públicas. Outra coisa são contas públicas ‘boas’ e estas são compatíveis com saldos orçamentais positivos ou negativos, dependendo da situação económica ser melhor ou pior, mas sempre salvaguardando, nomeadamente, o necessário investimento público – note-se que cerca de 6 mil milhões de euros de investimento público orçamentados não foram executados nos últimos anos, levando ao quase colapso de vários serviços públicos (em particular, saúde, educação, habitação e justiça) – para assegurar o bom funcionamento dos serviços públicos e da economia, tanto no presente como no futuro.

A redução do rácio da dívida pública no PIB, que, supostamente, baixa dos 100%, poderia claramente ter sido feita com menos impostos e mais economia. A redução do rácio da dívida pública nos últimos anos foi, pois, conseguida primeiro com os baixos juros promovidos pelo Banco Central Europeu e a não execução de investimento público, e mais recentemente com o empolamento das receitas fiscais devido à alta inflação, tendo o governo optado por não baixar a carga fiscal para aliviar o sofrimento das famílias, tendência que se mantém no OE para 2024, em que a carga fiscal vota a subir pois a redução anunciada do IRS é contrariada pelo aumento dos impostos indiretos.

No que concerne aos salários, a elevação do salário mínimo em quase 8%, superando a progressão média dos salários em 5%, sugere uma tendência preocupante: a possibilidade de o país se transformar, cada vez mais, numa nação predominantemente composta por indivíduos de baixo rendimento (pobres). A disparidade de aumentos salariais, evidenciada pelo aumento relativamente menor dos salários dos funcionários públicos qualificados, persistirá e, provavelmente, resultará na saída de profissionais qualificados e na consequente contínua deterioração dos serviços públicos, que correm o risco iminente de entrar em colapso total, a menos que haja uma revisão fundamental das funções do Estado.

Face ao exposto, o Orçamento de Estado para 2024 contribui para o regresso da “má economia” portuguesa já em 2024, depois do aparente “milagre económico”, em termos de taxa de crescimento, assente num boom turístico temporário, bafejado pela imagem de país bonito e seguro, longe do conflito Rússia-Ucrânia, que afetou negativamente a generalidade dos países do centro e leste da Europa. Tratando-se de um setor de baixa produtividade e muito sensível a oscilações rápidas e bruscas de procura, um acréscimo de especialização no turismo poderá ser mau para o nosso crescimento económico a longo prazo, apesar de ser benéfico a curto prazo.

Neste contexto, não admira que, no indicador de nível de vida relativo – PIB per capita em Paridade de Poderes de Compra em percentagem da União Europeia (UE) –, as previsões de novembro da Comissão Europeia apontem para que Portugal caia mais uma posição no ranking dos países da UE até 2025 (para 21º, ou sétimo pior), ficando, assim, ainda mais perto da cauda da Europa em nível de vida. Recorde-se que 1999 estávamos na 15ª posição com 85,2% da média da UE e agora estamos na 20ª posição com 77,7% da média da UE.

Resultados melhores em nível de vida exigiriam uma elevação do crescimento potencial da economia em resultado de uma política de reformas estruturais, que têm estado ausentes dos OE.


Artigo de opinião por Óscar Afonso, Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto




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